Como posto no início deste estudo, Kardec, por sua natural posição à testa do nascente movimento espírita mundial, possuía à respeito da história do Espiritismo,
os mais numerosos e autênticos documentos que existem.
E, assim, com inteira razão, considerava essa documentação como
(...) o mais vasto repertório da história do Espiritismo moderno.
(...) monumento único no mundo, quadro vivo da verdadeira história do Espiritismo moderno.
Recebendo comunicações de cerca de mil centros espíritas sérios, espalhados pelos diversos pontos do globo (O Evangelho segundo o Espiritismo, Introdução), a tudo examinava e selecionava, chegando a possuir, além do que já publicara na Revista Espírita, mais de três mil e seiscentas comunicações, suficientes para preencher cinco anos da edição da Revista, sem contar um certo número de manuscritos mais ou menos volumosos... (Revista Espírita, 1863, p. 153).
Com seu espírito organizado e metódico, manteve tudo isso arquivado e catalogado para formar o acervo do futuro museu do Espiritismo, que pretendia fundar (Obras Póstumas, Projeto 1868).
A Primeira Guerra Mundial e a correspondência de Kardec
Wantuil e Thiesen [1] informam que
[o Reformador] não se limitou a anuir ao convite que lhe vinha de Paris, acolhendo, desde logo, em suas páginas a importante correspondência do Codificador, pois teve, também, a primazia de estampar algumas cartas, às vezes seguidas de ligeiros comentários do apresentador aludido [Paul Bodier], já que a guerra europeia de 1914-1918 causou problemas à "Revue", obrigando-a a atrasos e interrupções, enquanto o "Reformador", inobstante as dificuldades de outra ordem, peculiares à época e ao meio, conseguia manter-se à tona (...)
Os documentos recolhidos em Paris por Canuto Abreu
Wantuil e Thiesen [1] em nota acrescentam a seguinte informação:

Segundo informa o pesquisador espírita Oceano Vieira de Melo, esse tesouro histórico do Espiritismo vai para o Museu Espírita de São Paulo, fundado pelo casal Paulo e Elza Toledo, que passou posteriormente sua administração para a Federação Espírita Brasileira (aqui), ficando o local como um espaço cultural da FEB em São Paulo.
Vieira de Melo acrescenta estas informações:
O que há nesse material de tão importante?
São documentos, centenas de correspondências de Allan Kardec, originais da Revista Espírita e da codificação. Canuto conseguiu esse material com a família de Pierre Gaitan Leymarie, que era quem cuidava das coisas do Codificador depois da sua desencarnação. Ele comprou quando os herdeiros de Leymarie se desfaziam de todo o material. Não perceberam o que tinham de extraordinário nas mãos. Canuto era um homem culto, que viajava sempre a trabalho pelo mundo e sempre permanecia longo tempo em Paris, o que possibilitou que ele como pesquisador percebesse esse tesouro histórico. Nesse tempo é que ele passa a escrever no jornal Unificação os textos que mais tarde foram reunidos por Paulo Toledo em O livro dos espíritos e sua tradição histórica e lendária. Em 18 de abril de 1957, na comemoração do centenário de O livro dos espíritos, no Ginásio do Pacaembu, em São Paulo, Canuto faz um longo discurso contando toda essa história. Temos essa gravação. Ela estará no museu.
Por que esse material é tão comentado? Há algo 'comprometedor'?
Não. O que há é muita coisa pessoal de Allan Kardec. Mas é muito emocionante. Mostra o quanto ele passou por dificuldades, traição dos amigos, o que enfrentou do clero, e da imprensa. Também sobre quando o Espírito de Verdade o orienta para que se ausentasse de Paris e fosse para um lugar mais tranquilo para organizar O evangelho segundo o espiritismo, e ele se isola numa cidade litorânea da França. Você vê todo o lado missionário e humano de Allan Kardec. Há lições maravilhosas em cartas sobre isso. Elas também explicam porque o Evangelho saiu primeiro com nome de Imitação do evangelho. Os espíritos o instruíram para colocar 'imitação' para protegê-lo, para não dizerem que o livro era um concorrente direto do Evangelho tradicional, porque com certeza a Igreja viria para cima com todo seu poderio.
Fonte: Correio Fraterno do ABC, jul/ago 2014

Fonte: https://sinapseslinks.files.wordpress.com
Autorização para funcionamento da Sociedade de Paris
Como se sabe, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE), conhecida também por Sociedade de Paris, foi fundada por Kardec em 1858. O Codificador anotou em Obras Póstumas:
Em 1º. de abril de 1858
“Se bem que não haja aqui nenhum fato de previsão, menciono, para memória, a fundação da Sociedade, por causa do papel que desempenhou na marcha do Espiritismo, e das comunicações ulteriores às quais deu lugar.
Em torno de seis meses depois, tinha em minha casa, Rua dos Mártires, uma reunião de alguns adeptos, todas as terças-feiras. O principal médium era a Srta. Dufaux. Se bem que o local não pudesse conter senão 15 a 20 pessoas, às vezes nele se encontravam até 30. Essas reuniões ofereciam um grande interesse pelo seu caráter sério, e a alta importância das questões que ali eram tratadas; frequentemente, viam-se ali príncipes estrangeiros e outras personagens de distinção.
O local, pouco cômodo pela sua disposição, evidentemente, tornou-se muito exíguo. Alguns, dos frequentadores, propuseram se cotizar para alugar um mais conveniente. Mas, então, tornava-se necessário ter uma autorização legal, para evitar de ser atormentado pela autoridade. O Sr. Dufaux, que conhecia pessoalmente o Prefeito de polícia, se encarregou de pedi-la. A autorização dependia também do Ministro do Interior, que era então o general X que era, sem que o soubéssemos, simpático às nossas ideias, sem conhecê-las completamente, e com a influência do qual a autorização que, seguindo uma fieira comum, teria exigido três meses, foi obtida em quinze dias.”

Carta de Kardec com pedido de autorização para a fundação do primeiro Centro Espírita do mundo (Fonte: http://www.autoresespiritasclassicos.com)
Ao Sr. Prefeito de Polícia da cidade de Paris. Sr. Prefeito:
Os membros fundadores do Círculo Parisiense de Estudos Espíritas, que solicitaram junto a vós a autorização necessária para constituir-nos em Sociedade, temos a honra de pedir-vos que consintais permitir-nos reuniões preparatórias, enquanto esperamos a autorização regular. Com o mais profundo respeito, Sr. Prefeito, tenho a honra de ser vosso muito humilde e muito obediente servidor.
H. L. D. Rivail, dito Allan Kardec.
Rua dos Mártires nº 8