Na administração da Sociedade de Paris e na direção do movimento espírita nascente, Allan Kardec teve de enfrentar diversos companheiros que queriam mudar a orientação dada por ele aos rumos do Espiritismo.
Chegou mesmo a propor sua saída da direção da sociedade, tantas foram as intrigas, traições e ingratidões de que foi objeto, por parte, inclusive, de amigos de confiança.
NOTA. — Escrevo esta nota a 1° de janeiro de 1867, dez anos e meio depois que me foi dada a comunicação acima [refere-se à mensagem Minha missão, dada em 12 de junho de 1856. Em casa do Sr. C...; médium: Srta. Aline C...]e atesto que ela se realizou em todos os pontos, pois experimentei todas as vicissitudes que me foram preditas. Andei em luta com o ódio de inimigos encarniçados, com a injúria, a calúnia, a inveja e o ciúme; libelos infames se publicaram contra mim; as minhas melhores instruções foram falseadas; traíram-me aqueles em quem eu mais confiança depositava, pagaram-me com a ingratidão aqueles a quem prestei serviços. A Sociedade de Paris se constituiu foco de contínuas intrigas urdidas contra mim por aqueles mesmos que se declaravam a meu favor e que, da boa fisionomia na minha presença, pelas costas me golpeavam. Disseram que os que se me conservavam fiéis estavam à minha soldada e que eu lhes pagava com o dinheiro que ganhava do Espiritismo. Nunca mais me foi dado saber o que é o repouso; mais de uma vez sucumbi ao excesso de trabalho, tive abalada a saúde e comprometida a existência.
Graças, porém, à proteção e assistência dos bons Espíritos que incessantemente me deram manifestas provas de solicitude, tenho a ventura de reconhecer que nunca senti o menor desfalecimento ou desânimo e que prossegui, sempre com o mesmo ardor, no desempenho da minha tarefa, sem me preocupar com a maldade de que era objeto. Segundo a comunicação do Espírito de Verdade, eu tinha de contar com tudo isso e tudo se verificou.
(ALLAN KARDEC. Obras Póstumas. 2a. parte, Cap. 8 - Livro dos Espíritos. Minha Missão.)
*Os destaques não são do original.
O Codificador fora advertido muitas vezes pelos Espíritos das dificuldades a serem enfrentadas pelo Espiritismo em sua implantação, quer por inimigos externos, quer por internos. E entre esses estavam companheiros próximos e continuadores de sua obra.Aliás, o Espirito Erasto, em 1863, deixara registrado que os ataques à doutrina se intensificariam, que embustes e ciladas seriam armados, que calúninas seriam assacadas, que essa guerra surda seria muito mais perigosa porque perpetrada por mãos amigas... (que) agirão na sombra.
Veja a seguir:
Guerra Surda. Espírito Erasto.
Paris, 14 de agosto de 1863
A luta vos espera, meus caros filhos. Eis por que vos convido a todos a imitar os lutadores antigos, isto é, a cingir os rins. Os próximos anos são plenos de promessas, mas também de ansiedades. Não venho dizer: Amanhã será o dia da batalha! Não, porque a hora do combate ainda não está fixada, mas venho advertir-vos, a fim de que estejais prontos para todas as eventualidades.
Até agora o Espiritismo só encontrou uma rota fácil e quase florida, porque as injúrias e as troças que vos dirigem não têm nenhum alcance sério e ficaram sem efeito, ao passo que de agora em diante os ataques que forem dirigidos contra vós terão um caráter totalmente diverso: eis que vem a hora em que Deus apelará a todos os devotamentos, em que vai julgar seus servidores fiéis, para dar a cada um a parte que tiver merecido.
Não sereis martirizados fisicamente, como nos primeiros tempos da Igreja; não erguerão fogueiras homicidas, como na Idade Média, mas vos torturarão moralmente; levantarão embustes; armarão ciladas, tanto mais perigosas quanto usarão mãos amigas; agirão na sombra e recebereis golpes, sem saber por quem são vibrados, e sereis feridos em pleno peito pelas flechas envenenadas da calúnia.
Nada faltará às vossas dores; suscitarão defecções em vossas fileiras, e supostos espíritas, perdidos pelo orgulho e pela vaidade, exibirão a sua independência, exclamando: ‘Somos nós que estamos no reto caminho!’
Tentarão semear joio entre os grupos, provocando a formação de grupos dissidentes; captarão os vossos médiuns, para fazê-los entrar num mau caminho e para desviá-los dos grupos sérios; empregarão a intimidação para uns e o fascínio para outros; explorarão todas as fraquezas. Depois, não esqueçais que alguns viram no Espiritismo um papel a desempenhar, e um importante papel, e que hoje experimentam mais de uma desilusão em sua ambição. Prometer-lhes-ão encontrar de um modo, o que de outro modo não podem encontrar. Depois, enfim, com o dinheiro, tão poderoso no século passado, não poderão encontrar comparsas para representar indignas comédias, a fim de lançar o descrédito e o ridículo sobre a doutrina?
Eis as provas que vos esperam, meus filhos, mas das quais saireis vitoriosos, se do fundo do coração implorardes o socorro do Todo-Poderoso. Eis por que vos repito de todo o coração: Meus filhos, cerrai vossas fileiras, ficai vigilantes, porque é o vosso Gólgota que vem em seguida, e se não fordes crucificados em carne e osso, sê-lo-eis em vossos interesses, em vossas afeições, em vossa honra!
A hora é grave e solene. Para trás, então, todas as mesquinhas discussões, todas as preocupações pueris, todas as perguntas ociosas e todas as vãs pretensões de preeminência e de amor próprio. Ocupai-vos dos grandes interesses que estão em vossas mãos e cujas contas o Senhor vos pedirá. Uni-vos para que o inimigo encontre vossas fileiras compactas e cerradas. Tendes uma contrassenha sem equívoco, pedra de toque com o auxílio da qual podeis reconhecer vossos verdadeiros irmãos, pois essa palavra implica abnegação e devotamento e resume todos os deveres do verdadeiro espírita.
Coragem e perseverança, meus filhos! Pensai que Deus vos olha e vos julga. Lembrai-vos também que os vossos guias espirituais não vos abandonarão enquanto vos achardes no caminho certo.
Aliás, toda esta guerra só terá um tempo e voltar-se-á contra os que julgavam criar armas contra a doutrina. O triunfo, e não mais o holocausto sangrento, irradiará no Gólgota espírita.
Até breve, meus filhos.
Saudações a todos!
ERASTO, discípulo do apóstolo São Paulo.
Fonte: Revista Espírita. Dez/1863
Veja:
- Os inimigos do Espiritismo (França) - 27/09/2011 - Maria das Graças Cabral - aqui
- Leymarie, um vilão (?) - pág. 137 do livro Muita luz, de Berthe Fropo - aqui
- Jean Baptiste Roustaing, o Inimigo de Allan Kardec - 24/06/2015 - Josué de Freitas - aqui
- Pierre-Gäetan-Leymarie - 11/07/2018 - Trecho de palestra de Paulo Henrique de Figueiredo - aqui
- Veja também o livro Em nome de Kardec, de Adriano Calsone, referido na Bibliografia (Parte 3 deste estudo).